10 de mar. de 2014

Novo blog!

Olá!

Para quem acompanha as postagens do NEX!!!, informamos que estamos com um novo blog, maior, mais moderno e mais atualizado!

Todo o conteúdo daqui foi migrado para o wordpress, e a partir de agora, as novas publicações serão feitas apenas no novo endereço. Esperamos todos lá! :)

23 de jun. de 2013

Entre o afeto e o excesso



Nesses tempos de imagens impactantes circulando pelas mídias (as alinhadas à construção da hegemônica do senso comum e as nem tanto assim) me lembrei de um conceito fundamental de Jane Gaines que diz respeito ao pathos da realidade (pathos of actuality). A pulsão passional das imagens do calor do momento, vistas e revistas. Da importância e impacto mobilizadores de sensações e sentimentos dessas imagens, da sua força bruta.
Pensei também nos usos da repetição incessante dessas imagens, usos que me parecem cambiar como inserts entre o afeto e o excesso.
Tenho voltado minha atenção para esse universo que se move entre essas duas margens: a do afeto e a do excesso. Tomos esses termos (afeto e excesso) como elementos distintos mas que mobilizam a dimensão corporal/sensorial do espectador.
Se de um lado desse rio de mobilizações, a margem do afeto se vincula a ideia de performance, entendida como expressão que se ampara no corpo e para o corpo ultrapassando o desejo de representação - “Na representação, a repetição dá luz ao mesmo; na performance, cada repetição encena um único evento”, escreve Elena Del Río.
Do outro lado, localizo a margem do excesso como movimento em direção ao desejo simbolizador que também se dá no corpo, mas reforçando (ainda que roce o campo da performance, no caso predominantemente espetacular) e instaurando representações e projeções empáticas em uma superdramatização de movimentos que expressam estados sensoriais e sentimentais que, dado a ver audiovisualmente, inspiram no espectador se não os mesmos estados, algo bem próximo (conforme é possível enxergar na tradição fundante dos gêneros do corpo, como aprendemos com Linda Williams).
No excesso, reinam performances reiterativas e saturadas que somam elementos (de efeito de imagem, de velocidade de cortes, de inserções musicais...) às imagens e aos sons na busca por compor símbolos que representem, que marquem, e ao fazê-lo, acabem por explicar e explicitar visões e narrações.
No afeto, impera o que quero chamar de uma dimensão performo-afetiva das personagens na relação/encontro com a câmera numa economia narrativa de elogio ao fragmento, ao instante, aos silêncios e às reticências, formando instantes de quadros que expressam mas não condensam explicitações ou explicações.
Mas entre uma margem e outra, circula o turbilhão de encontros (usos e apropriações) entre o afeto e o excesso. As imagens brutas das cenas das ruas pelo Brasil usadas repetidamente nas diversas mídias me parecem andar por essa circulação. Carregando emoções e sensações, cuja pulsão passional vai sendo (re)enquadradas nas diferentes visões sobre as manifestações, sobre o estado de coisas.
Mais uma vez, me interessa o que está fluindo por entre tais margens

17 de ago. de 2012

Ser Sentimento e Ser Sensível




Pensando alto enquanto retorno a História das Lágrimas de Anne Vincent-Buffault
ntevejo o que poderíamos chamar de uma hierarquia do sensível estabelecida na passagem do século XVIII para o XIX. Personagens dessa hierarquia são, entre outros, Diderot e Senancour. Sobre esse último, a autora escreve: "fustigando severamente esta mania do sentimento, espécie de doença do fim do século XVIII, ele define-se claramente em um outro terreno. Ele diferencia aquilo que era frequentemente confundido, por exemplo em Diderot: a faculdade de enternecer-se e aquela de receber as sensações" (página 135). Ou seja, dissocia, eu diria, o sensível do sentimento, seccionando o lugar do sensível do excesso sentimental no século XIX. "O homem sensível deve preferir ao homem sentimental", escreve Senancour. A partir daí, realmente uma peripécia na história das lágrimas; e essa personagem valorizada por ser pública, vistosa e ruidosa passa definitivamente a privada, contida e silenciosa. Acho que isso diz muito sobre o século XX, mas o que dirá sobre os tempos hipermodernos de hipertrofia espetaculosa do privado?

24 de abr. de 2012

A Flor do meu segredo


Ao pensar na obra de Pedro Almodóvar raramente lembramos de A Flor do Meu Segredo. Ou se lembramos, a lembrança vem por último, quase invadindo a consagrada lista que certamente começa com Mulheres à beira de um ataque de nervos e termina com Fale com ela. Pura injustiça!, me dei conta esses dias.

Tudo começou com o excelente seminário Recorrências na obra de Pedro Almodóvar, ministrado pelo Prof. Christopher Laferl que Tunico Amâncio e eu organizamos na UFF (uma parceria dos departamentos de Cinema e Vídeo e Estudos de Mídia).




Nas três palestras, o professor comentava sobre as recorrências temáticas, a auto referencialidade narradora, a paixão pela música massiva latina e, diria, mais que tudo o uso apaixonado do excesso.
A forma como as narrativas de Almodóvar usam a música, as imagens saturadas (de cor e de símbolos) para presentificar e sumarizar estados emocionais e momentos chave na trajetória dos personagens e do filme. Tudo é colocado para a imediata compreensão (apreensão, melhor dizendo) do espectador.
Apreensão passional que se transmuta em entendimento do fluxo narrativo. Modo de excesso em pleno funcionamento, arrebatando e engajando o espectador.
Em A Flor do Meu Segredo o excesso aparece em cenas belíssimas, na incrível fotografia de Afonso Beato, fazendo quadros dentro de quadros que lembram muito filmes de Douglas Sirk. Abusando de espelhos, janelas e grades para retratar/presentificar visualmente todo o aprisionamento passional da personagem e sua gradativa auto libertação e transmutação. uma novela de amor reforçada pela mise-en-scene a lá Sirk, pelas canções latinas - especialmente Bola de Nieve cantando Dolor e vida e pelos personagens e procedimentos típicos de Almodóvar.
A música é narradora tanto quanto os quadros, como fica intensamente claro na sequência em que Leo, em seu desespero pós-tentativa de suicídio, encontra Angel em meio a euforia de uma manifestação de estudantes de medicina. Um longo tilt up faz a transição daquele espaço e tempo de dissonância (entre agitação externa e desespero interno) para outro tempo e espaço em que Leo, já na casa de Angel, começa a se reencontrar, aos poucos. Na transição, Dolor e vida, planos ponto-de-vista a olhar pela janela e o reflexo da personagem. Os movimentos da câmera seguem rigorosamente a cadência da canção, pois aqui e agora, no filme, é a música de Bola de Nieva comanda catárticamente, como deve ser toda boa canção popular.
Nesse filme, duas coisas se sobressaem: a preciosidade da fotografia (no que me pareceu um excesso alusivo aos clássicos do melodrama doméstico de Sirk) e a teia de referências à própria obra de Almodóvar. Além de ser o filme que tematiza a transição estética do diretor - na figura de Leo, uma escritora de novelas sentimentais que vai abandonando esse repertório kitch/massivo para uma escrita mais séria ainda que igualmente afetiva(caminho que me soa análogo a da própria cinematografia de Almodóvar)- ; é o filme que antecipa Volver na figura de "Câmara Frigorífica", uma das tais novelas sérias que Leo quer escrever, cujo mote é exatamente o plot de Volver e que é rejeitada pelos editores por ser realidade demais.

22 de mar. de 2012

Prescrições narrativas e pedagogia moralizante

Ilustração: Gustave Doré
Qualquer pessoa, independente de sua aquisição intelectual, consegue narrar e acompanhar narrativas de todos os estilos. O narrar parece congênito ao ser, tão natural quanto o impulso que nos conduz aos primeiros passos e tropeços. Somos educados através deste modo de expressão e isso nos compraz, mesmo que os temas relatados possam exceder o “limite do respeitável” (Williams). Quer dizer, até o velho “boi da cara preta que pega crianças que têm medo de careta” conserva em si um excesso narrativo, uma lógica que desafia a tradição realista.

Convocamos esta faculdade ao fabular qualquer evento banal de nossos dias através de um “olhar narrativizante” (Ricoeur) capaz de organizar e agenciar em atos e peripécias o que se sucedeu dentro de uma sequência lógica que comporta ações conectadas, motivações claras, tramas, unidades de ação etc. Algumas vezes, com o pretexto semi-aparente de demandar mais atenção, adicionamos outros elementos, valores, tons ou efeitos, exacerbando a realidade vivida; algo que de certa maneira pressupõe uma desorganização da lógica narrativa, ou seja, desvia-se das prescrições normativas que acompanham os inventos narrativos desde o tempo de Aristóteles.

Mas isso de maneira alguma invalida seu funcionamento. Estratégias narrativas que confrontam a normalidade podem estar comprometidas em construir um clímax sensacional e afetivo que gera prazer ao se “ver” aquela incoerência discursiva. Gêneros como o melodrama, o horror e a pornografia valem-se de excessos que muitas vezes burlam os valores de uma pedagogia moralizante – adquirida culturalmente através de hábitos de consumo de diversas narrativas. Este desvio se torna banal, não só no sentido de uma promoção negativa, mas como ranço do real.

Para problematizar conceitos da retórica do excesso e das prescrições narrativas clássicas, o NEX!!! continua suas atividades concentrando seus encontros no debate sobre teorias narrativas. O livro adotado para os próximos encontros foi ALTMAN, Rick. A theory of narrative. New York: Columbia University Press, 2008. Indagações sobre a definição de narrativa serão articuladas ao conceito de excesso para investigar algumas narrativas fílmicas contemporâneas que rompem com a tradição clássica ao oferecer um “espetáculo do corpo dado ver” em prol do “êxtase”.

O que é narrar? Como se conta sem dizer? Como se diz sem contar? O que é a presença excessiva nessas narrativas? Como a “mistura dos gêneros” pode ser uma formulação do excesso narrativo? O que é reiterado da tradição narrativa clássica? Como uma narrativa realista pode suportar excessos e manter-se fiel ao efeito de real que a singulariza? Por que o boi pega as crianças que têm medo de careta? Estas e outras questões irão balizar o trajeto de estudo do grupo.

27 de fev. de 2012

Gêneros do corpo e as disciplinas de educação sentimental burguesa

Em " Notas sobre a cultura somática", Jurandir Freire Costa vai reavaliando as crenças e o papel relegado ao corpo na educação sentimental burguesa, para então mapear as mudanças que constituem a contemporânea cultura e personalidades somáticas. Com base em Peter Gay e Norbert Elias, resume desse modo os conjuntos de disciplinas que normalizaram o corpo e seus sentidos no contexto moderno de construção do homem sentimental: "As disciplinas sexuais visavam a moderar os prazeres sensuais de modo a drená-los par ao sentimentalismo amoroso, o cuidado com a família ou a sublimação artístico-científica. As intelectuais buscavam adequar os sentidos e a motricidade às exigências da cultura erudita: ler em voz baixa e de forma correta, escrever bem (…). As higiênicas tinham por objetivo adestrar a visão, a audição, o tato, o gosto e o olfato, de modo a despertar nos indivíduos desprezo ou repulsa pela sujeira, feiúra e grosseria dos corpos mal-educados.(…) Por fim, as disciplinas de apresentação social ou regras de etiqueta ensinavam aos indivíduos como se vestir, andar, sorrir, sentar, receber convidados, conversar, dançar, cantar, tocar nutrimentos musicais etc. a fim de que o ' berço' dos bem-nascidos fosse evidente à primeira vista" (p.207).
Pensando na dupla dimensão da pedagogia das sensações, bem poderíamos notar como cada uma dessas disciplinas responde correlatamente a um gênero (do corpo) institucionalizado ao longo do projeto de modernidade. Assim, as disciplinas sexuais correlacionam-se ao domínio da pornografia; as intelectuais, ao realismo; as higiênicas, ao horror; e as de apresentação social, ao melodrama. Forças análogas que respondem a uma sensibilidade comum, colocando os gêneros como instrumentos do projeto de educação sentimental. Dispositivos de uma pedagogia das sensações que alimenta e orienta tal projeto.
Parece um caminho a ser traçado, que tem a imensa vantagem de incluir o domínio do realismo no universo sensório-sentimental da pedagogia das sensações. Vejamos onde isso vai dar.

13 de dez. de 2011

Melodrama e Coutinho

Em uma das críticas recentes sobre o novo filme de Eduardo Coutinho, Ricardo Calil decreta, como uma imensa novidade, que o documentarista é também o rei do melodrama.

Vale a pena conferir o que Calil coloca e mais especialmente o que o público comenta no blog.

Um comentário em particular me chamou atenção pois associava diretamente o melodrama ao poder de envolvimento da platéia, comentando os aplausos no final da sessão.

Calil considera melodrama em Coutinho filmes mais obviamente atravessados pelo melodramático: Edifício Master, Jogo de Cena e As Canções.
Desde de 2007, no mínimo, ano em que defendi minha tese de doutorado Realidade Lacrimosa, canto essa pedra dos diálogos de outros filmes de Coutinho, e outros documentários contemporâneos, com o melodrama. Um diálogo rico em dimensões reflexivas tanto sobre o filme quanto, e sobretudo, sobre as formas de perceber o mundo dos personagens que se performam (lembremos aqui do conceito de performance do Goffman)para o documentarista. Na performance, expoem-se os modos de narrar-se a si mesmo, a dimensão auto-fabulativa que nos acomete, sempre, e em especial, quando somos convocados a contar nossa história.
Nesse sentido, mais que nos filmes citados por Calil, lembro de Peões, onde a moral familiar e trabalhadora se apresenta melodramaticamente a cada depoimento em um jogo de espelhamento emotivo, identificatório entre os personagens e Lula. Mais especialmente, lembro dos trechos de Henok e de seu Antônio, onde ouvimos, a cada instante, Coutinho buscar na dimensão privada e familiar (a lembrança das esposas já falecidas)um trigger para a emoção, ligando assim, memória privada à memória coletiva, estabelecendo o engajamento passional entre obra e público.

10 de nov. de 2011

"Isso aconteceu", descrição e o efeito de real

E nesse caminho, pensando a questão da descrição como central para a construção dos discursos (sejam estes excessivos ou realistas) trabalhamos dois textos do Barthes:

Efeito do real e O discurso da história;

De cara ele já nos propõe uma questão, que já estamos tateando a algum tempo em nossas reuniões: O que separa uma narração ficcional de uma narração do real? Seriam elas realmente distante e, portanto, facilmente distintas? E qual característica forjaria essa "separação"?

Dentro da retórica realista, o efeito de real é essencial para que se atinja o propósito de um discurso que pretende reproduzir a realidade. Daí a descrição é utilizada para inserir elementos e objetos que construam essa realidade, sem necessariamente dar/conter sentido- a descrição como vazio de sentido. No entanto, Barthes logo aponta a inconsistência de tal premissa: o que supostamente é apenas constatativo (descritivo), imprime no discurso, pois age nele como significante, a marca da ideologia, da autoridade do "ato de fala".

A ilusão referencial (a ideia de "somos o real"/"isso aconteceu" ao qual discurso da história aspira e tenta construir através da descrição) , sustenta-se na ideia de que o referente, o real, não é significado pelo discurso; um referente onipotente que negaria significação.

Os detalhes, inseridos através da descrição, longe de serem vazios, indicam/geram leituras e/ou usos. Mesmo a "insignificância" tem seu significado.

Conversando chegamos duas formas de descrição que pretendemos analisar: uma a descrição adjetiva (clássica), da retórica do excesso, efeito de espetáculo/êxtase, que simboliza a moral oculta, satura e preenche; e a outra uma descrição substantiva (realista) que simboliza o efeito do real.

Outra questão: a Imagem é uma descrição ou uma narração? Ou seria ela ambas?

Propomos então um desafio para todos que queiram conosco embarcar nessa aventura:
- Onde está a descrição em um filme?
- O que é descrever em uma imagem/através de imagens e sons?
- O que caracterizaria uma descrição audiovisual de retórica realista? E a descrição de retórica excessiva, quais são suas marcas?

Coloco aqui, dois possíveis objetos de análise:

A abertura de True Blood, fortemente pautada em sensações

http://www.youtube.com/watch?v=vxINMuOgAu8

E a abertura da série inglesa Downton Abbey, na qual a função descritiva parece mais presente:

http://www.youtube.com/watch?v=3PNniUuVXGs

Podemos começar por eles, mas a ideia seria expandir a análise para filmes, principalmente os mais clássicos, e tentar construir respostas para as perguntas que colocamos.

3 de out. de 2011

Realist Excessive Vision

Nos últimos encontros temos nos dedicado à refletir sobre as tensões entre uma tradição realista e as matrizes do excesso. tensões de ordem narrativa, mas também de ordem de legitimidade na escala de valores e autorizações sócio-históricas da modernidade.
e novamente, é Peter Brooks quem nos ajuda nesse caminho a ser trilhado.
engraçado (aliás, sintomático) que o mesmo autor que inspirou configurar categorias para enxergar o excesso no emaranhado da imaginação melodramática, se mostra como um instigante o caminho inicial para começar a dar conta desse vasto e impreciso mundo do realismo. Ou, como ele mesmo diz, da visão realista (seu livro tem como título Realist Vision).

uma pista (que em minha tese de doutorado - Realidade Lacrimosa - já perseguia): as visões/imaginações realistas e melodramáticas não são tão polarizadaz assim e ambas são formadoras do projeto de modernidade. e não é acaso que um mesmo elemento - com funções e procedimentos por vezes distintos - seja a marca narrativas destas duas imaginaçõe: a descrição.

perguntas que saltam: que distingue a descrição excessiva da descrição realista? que vínculos - tão atávicos - se tecem entre a descrição como procedimento narrativo e centralidade da visualidade no projeto de modernidade (o tal Frenesi do Visível como nomeia Linda Williams)? que relações se estabelecem entre a descrição e os procedimentos de simbolização? como a descrição se comporta em narrativas tecidas em imagens e sons?

as perguntas crescem... e as pistas de respostas (ou mais problemas) parecem estar em Barthes (efeito de real e discurso da história), ainda no Brooks e ... (complete os espaços...).

30 de nov. de 2010

Pedagogia das Sensações

A noção de pedagogia das sensações procura dar conta das implicações (politico-culturais e narrativas) de discursos que parecem compartilhar entre si estratégias comuns vinculadas ao modo de excesso. Essa matriz comum garante uma relação com o público pautada no pathos e em uma lógica de engajamento sensório-sentimental.
O pressuposto (e proposta para reflexão) é que essa lógica sensório e sentimental é igualmente fundante do projeto de modernidade, o que resulta no impulso pedagogizante do sensacional, presentificado a partir do fio condutor do excesso (são narrativas, portanto, que tem traços em comum, a despeito das diferenças internas).
O excesso aparece como estratégia temática e estética no diálogo com o público, atuando através de uma lógica pautada no pathos. Mas ele é também elemento importante na esfera de “pedagogização” de uma lógica sensacional e sentimental que se expressa ao lidar, via formatos narrativos associados ao gosto popular (retomando aqui a matriz popular do excesso, conforme teoriza Jesús Martin-Barbero), com tensões e anseios da modernidade. De um lado, “ensinando/cristalizando” sobre a experiência da modernidade a partir de um sensacional, mobilizando o universo dos estímulos (na linha do que trabalha o Ben Singer, por exemplo, a partir do Simmel) e, de outro, “domesticando” o lugar do sensacional na modernidade (e ai, claro, bastante coerente com o tão apontado projeto moralizador dos “gêneros do corpo”).
No mergulho analítico e conceitual, partimos, a princípio, dos gêneros (entendendo este não como um conjunto de códigos estanques e imutáveis, mas seguindo a pista mais ampla de uma abordagem que Rick Altman nomeia como sintática/semântica/pragmática) definidos por Linda Williams como “gêneros do corpo” (a saber, o melodrama, a pornografia e o horror), mas reconhecemos que eles não estão sozinhos (poderiamos incluir o musical e certo tipo de comédia, por exemplo). Também entendemos que é preciso, para além do mergulho no universe genérico, cercar o conceito do excesso como elemento estilistico (tecido na narrativa) bem como matriz cultural.
O excesso é um conceito complexo e o NEX!!! – Nucleo de Estudos do Excesso nas Narrativas Audiovisuais tem se debatido sobre isso. Como matriz cultural, tem nos ajudado os trabalhos do Jesus Martin-Barbero, do Bakhtin e do Peter Burke (todos pelas leituras das estratégias e matrizes de uma cultura popular). Mas o nó aparece ao precisar o excesso como elemento estético (se me permite o uso do termo). Por enquanto, estamos apostando na leitura do excesso como uma “aglutinação” do espetáculo e do êxtase, onde, grosso modo:
* o primeiro coagula o universo moralizante da narrativa stricto senso (contruindo vetores de identificação, incorporando um impulso do realismo sem ser realista – para poder justamente sustentar o efeito pedagógico moralizante do engajamento passional proposto, por exemplo, no melodrama.
* o segundo condensa o universo do êxtase, entendido como intensidade, estímulos sensoriais, pulsação, choque. Uma matriz, diga-se de passagem, igualmente importante para certa tradição da vanguarda (penso na dos anos 1920, por exemplo, ou em certos filmes do Brakhage); e daí, o que distingue o extasiastico da vanguarda (uma face do excesso, sem dúvida) do Excesso dos “gêneros do corpo” talvez seja a ausência ou submissão da face do espetáculo.
É uma aposta não totalmente pacificada, pois, ainda me incomoda nela um certo binarismo que apaga a contradição constitutiva dessas narrativas do excesso. E acho que devemos é abraçar a ambivalência. Mas sigo com aposta, vejamos no que dá.
Lembro ainda que a ideia de uma pedagogia das sensações nasceu, ainda na época da minha tese, a partir dos diálogos com a Prof. Ana Lúcia Enne, que na época, junto com a Prof. Marialva Barbosa, trabalhava o universo do sensacionalismo (pensando este como inserido no fluxo do sensacional, ou seja, vinculado à matriz cultural popular).

26 de set. de 2010

Kitsch, Camp e o Excesso

No nosso último encontro, discutimos os conceitos de Kitsch e Camp a luz de Umberto Eco e Susan Sontag. Alguns apontamentos nos trouxeram mais próximos a compreensão do universo das narrativas de excesso.

Primeiramente, discutimos a importância do capital cultural do sujeito como pré-requisito para a fruição de produtos culturais instituídos como de mau gosto. O exagero dos mesmos é a grande força promotora do consumo por uma classe “esclarecida”, que se envolve com outro olhar a esses produtos.

Em relação a diferença entre o Kitsch e o Camp, pode-se dizer que o primeiro está mais próximo a uma celebração passional. No qual, uma lógica de espetáculo se dá devido à relevância do valor e do conteúdo dessas manifestações. Já o Camp, molda-se por sensibilizar através de uma representação por meio do artifício. A estética, no Camp, é o alvo mais importante da fruição e o Kitsch subordina uma interpretação do observador.

O feio, consequentemente, é apenas um uso estético numa época que os referentes se perderam. E o excesso, em sua dimensão estética do artifício, da teatralidade e da aparência desenvolve-se no exagero.